quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.02.2012

Insolvência culposa
Presunção juris et de jure
Efeitos

“I – A impossibilidade de o devedor solver os seus compromissos, o que caracteriza o estado de insolvência, pode ser meramente casual, ou fortuita e culposa, lato sensu (artº 185 do CIRE).
II - A insolvência é culposa quando esse estado tiver criado ou agravado em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (artº 186 nº 1 do CIRE).
III - A qualificação da insolvência como culposa reclama, portanto, uma conduta ilícita e culposa do devedor ou dos seus administradores.
IV - A ilicitude do comportamento do devedor ou dos seus administradores reparte-se por elementos objectivos e subjectivos.
V - A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura.
VI - A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente.
VII - A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados.
VIII - A lei considera sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja pessoa singular, designadamente quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham destruído ou descaminhado, no todo ou em parte, o património do devedor ou tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada (artº 186 nº 2 a) e h), 1ª parte, do CIRE).
IX - Trata-se, nitidamente, de uma presunção absoluta, inilidível ou iuris et de iure, dado que impõe um regime, não admitindo prova em contrário (artº 350 nº 2, in fine, do Código Civil).
X - As consequências da declaração de insolvência caracterizam-se pela patrimonialidade.
XI - Porém, no caso de qualificação da insolvência como culposa, aos efeitos patrimoniais da declaração de insolvência podem somar-se efeitos pessoais, quer relativamente à pessoa do devedor – se for uma pessoa física ou singular – quer no tocante aos administradores do devedor, quando este não tenha aquela qualidade.
XII - Efeitos que atingem logo direitos fundamentais e mesmo direitos fundamentais que têm por objecto bens e direitos de personalidade.
XII - A qualificação da insolvência como culposa implicava irremissivelmente duas consequências principais para o sujeito que devesse ser afectado por essa qualificação: uma inabilitação temporária; uma inibição temporária para o exercício do comércio e de certos cargos (artº 189 nº 2 b) e c) do CIRE).”

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.02.2012


Reintegração de trabalhador
Posto de trabalho

“I – A obrigação de o empregador reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho implica, não só, que o mesmo não seja prejudicado na sua antiguidade e categoria, como também que ao mesmo sejam atribuídas as funções antes exercidas.
II – Não cumpre a obrigação de reintegração se o trabalhador bancário, que à data do despedimento exercia funções de gerência, é colocado a emitir pareceres técnicos em processos de crédito.”

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 15.02.2012.

Despedimento ilícito
Inadaptação
Mobbing
Indemnização

“I - O art. 405 do CT DE 2003 diz-nos que constitui fundamento de despedimento do trabalhador a sua inadaptação superveniente ao posto de trabalho, nos termos dos artigos seguintes. Não se trata de uma causa puramente objectiva nem subjectiva, estando ligada ao binómio posto de trabalho/ trabalhador concreto já que, e simultaneamente, é necessário que tenha havido uma modificação recente no posto de trabalho resultante de novos processos de fabrico, novas tecnologias ou de novos equipamentos ( art.407, nº1, a) ) e uma inadaptação do trabalhador a este posto de trabalho.
II - O art. 406 do CT prevê duas situações de inadaptação:
-a 1ª aplica-se aos trabalhadores em geral, relativamente aos quais tenha ocorrido redução continuada de produtividade ou de qualidade (a); avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho (b); ou riscos para a saúde do próprio, dos restantes trabalhadores e de terceiros (c).
- a 2ª aplicável aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de direcção, que não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, tudo determinado pelo modo de exercício de funções.
III - Num e noutro caso é ainda necessário que tais situações tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho bem como a verificação e prova dos requisitos previstos no art. 407 deste diploma, que são de verificação cumulativa.
IV - O mobbing ou assédio moral é percebido como uma prática insana de perseguição” metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência, se vê remetido para uma situação e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego, seja por iniciativa própria ou não.
V - A qualificação da situação como assédio moral, traduz um ilícito contratual dado que foi violado o dever de respeito e a integridade psíquica e moral do trabalhador, direito de personalidade consagrado no art. 18 do CT, dando causa a um dano moral merecedor da tutela do direito (a autora ficou abalada psicologicamente, pondo em causa a sua auto-estima e confiança, provocando-lhe ainda humilhação e desgosto); sendo a actuação da ré culposa, porque não ilidiu a presunção que decorre do art. 799 do CC e intenso o seu grau de culpa, mas desconhecendo-se a situação económica de ambas as partes, sendo a ré uma IPSS que, por norma não têm grande desafogo financeiro e perdurando a situação de assédio por um período relativamente curto (pouco mais de três meses), entende-se equilibrado fixar essa indemnização em € 6000,00.”

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 16.02.2012

Insolvência
Exoneração do passivo restante
Salário mínimo nacional

“I – Na fixação do valor do rendimento do insolvente a excluir da dação a efetuar em benefício dos credores tendo em vista a eventual exoneração do passivo restante terá de se levar em consideração as particularidades de cada caso, devendo ponderar-se por um lado que se está perante uma situação transitória, durante a qual o insolvente deverá fazer um particular esforço de contenção de despesas e de percepção de receitas de molde a atenuar ao máximo as perdas que advirão aos credores da exoneração do passivo restante, e por outro lado atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana, assegurar as necessidades básicas do insolvente e do seu agregado familiar.
II – Vivendo a requerente com uma filha menor, que está a seu cargo, suportando com eletricidade, água, gás e comunicações cerca de € 190,00, carecendo de € 300,00 por mês para alimentação, higiene e vestuário, gastando € 200,00 por mês em combustível, de que a requerente carece para se deslocar para o local de trabalho, sendo certo que mora a 50 km de distância daquele e não dispõe de transporte público que o substitua e beneficiando a filha menor de pensão de alimentos no valor mensal de € 121,10, não merece censura a decisão recorrida, que excluiu da dação o equivalente a salário mínimo e meio, ou seja, o montante de € 727,50.”

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 16.02.2012

Conta bancária
Autorização para movimentar conta
Herança
Enriquecimento sem causa
Herdeiro
Ilegitimidade
Custas
“I – Da autorização para movimentar uma conta bancária não se pode extrair a autorização para actos de disposição dos valores nela depositados.
II – Essa autorização (que não se prova existir também no interesse do autorizado) caduca com a morte do autorizante a partir do conhecimento dessa morte pelo autorizado.
III – No enriquecimento sem causa por intervenção, ao contrário do que se passa no enriquecimento por prestação, cabe ao enriquecido o ónus da prova da existência de causa jurídica para o enriquecimento.
IV – Se o autorizado levanta o dinheiro depositado na conta bancária e passa a tratar de tal quantia como se fosse sua, dá origem à extinção do crédito da herança sobre o banco, ficando o banco exonerado perante a herança, cujos titulares terão que pedir a restituição ao enriquecido.
V – Se um dos herdeiros pede a condenação da autorizada a pagar-lhe (a ele) o valor que levantou, em vez de pedir a restituição do enriquecimento (para a herança), há ilegitimidade material do autor a conduzir à inevitável improcedência do pedido (e não se pode levantar, na fase do recurso da sentença a questão da ineptidão da petição inicial, por força da preclusão decorrente do art. 206/2 do CPC).
VI – As custas da reconvenção subsidiária e do recurso subsidiário (isto é, de um reconvenção ou recurso que só serão apreciados se o pedido ou o recurso formulado pela autora forem julgados procedentes) devem ficar a cargo da ré, se não chegarem a ser conhecidos por não se ter cumprido a condição da qual dependia a sua apreciação pelo tribunal (art. 447º do CPC).”

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 15.02.2012

Título executivo
Cheque prescrito
“Um cheque prescrito, ao portador, que não contenha a causa da obrigação, carece de exequibilidade, mesmo como quirógrafo, ainda que o executado confesse a sua subscrição e os elementos dele constantes em conformidade com o alegado pelo exequente no requerimento executivo, sempre que a relação subjacente respeite a um negócio jurídico formal.”

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 15.02.2012

Cheque
Recusa de pagamento
Banco
Justificação para a recusa

"Se o Banco sacado recusar o pagamento de um cheque, no período de oito dias de que o portador dispõe para a sua apresentação a pagamento, com a tabelar justificação de “falta ou vício na formação da vontade”, sem avaliar da seriedade do motivo invocado pelo sacador, é responsável civilmente pelos danos causados ao portador desse cheque."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Síndrome de Alienação Parental

Excelente artigo da Professora Doutora Maria Clara Sottomayor, sobre o Síndrome de Alienação Parental e o Abuso Sexual de Menores.

http://www.iacrianca.pt/images/stories/pdfs/separata_102.pdf

AGÊNCIAS DE VIAGEM E DE TURISMO





Provedor do Cliente….conheça as suas atribuições!

O provedor do cliente é um órgão independente da Associação Portuguesa de Agências de Viagem e Turismo (APAVT), que tem por função principal a defesa e promoção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos utilizadores de serviços das agências de viagens e turismo.

Competência do provedor do cliente:
a)    dirigir recomendações às agências de viagens e turismo com vista à correcção de condutas ilegais ou melhoria dos respectivos serviços;
b)    assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para sua interpretação e aplicação por parte das agências de viagens e turismo;
c)    emitir pareceres, a solicitação da Direcção da APAVT ou por iniciativa própria sobre quaisquer matérias relacionadas com a sua actividade;
d)    promover a divulgação do conteúdo e da significação dos direitos de todos os utilizadores dos serviços das agências de viagens e turismo, bem como da finalidade da instituição do Provedor do Cliente, dos meios de acção de que dispõe e de como a ele se pode fazer apelo;
e)    dirimir conflitos entre as agências de viagens e turismo que subscrevam o contrato de adesão em anexo e seus clientes, mediante a elaboração de decisões, tomadas com base na lei e na equidade;
f)    dignificar os serviços prestados pelas agências de viagens e turismo.

Ø  O provedor do cliente exerce as funções supra descritas com base em queixas apresentadas pelos cidadãos.
Ø  As queixas são apresentadas por escrito, sem formalidades especiais, devendo conter o nome, morada e outros dados de identificação do reclamante, a identificação da agência de viagens e operador turístico reclamados, data, local e programa da viagem, fundamentos da reclamação e tantos mais dados quanto possível para a sustentar, no prazo de 20 dias úteis a contar do fim da viagem a que respeitam.
Ø  As decisões do Provedor do Cliente deverão ser tomadas no prazo máximo de 30 dias a contar da apresentação da queixa.
Ø  A decisão é comunicada ao cliente e à agência de viagens.
Ø  A decisão do Provedor do Cliente é vinculativa para as agencia de viagens que subscrevam o contrato de adesão previsto na aliena e), do número 1, do artigo 11º do Estatuto do Provedor de Cliente.
Ø  A Agência de viagem dispõe do prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão para dar cumprimento à mesma.
Ø  As decisões do Provedor do Cliente constituem fundamento, quando necessário, para o accionamento do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo, permitindo assim aos clientes serem ressarcidos de eventuais prejuízos decorrentes de incumprimentos.







Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
15.02.2012
Categoria profissional
Princípio da efectividade
Subsídio de natal

I - No âmbito das relações laborais, a posição do trabalhador na organização da empresa define-se através de um conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da respectiva prestação laboral, determinando-se, por isso, a sua categoria profissional por referência ao binómio classificação normativa/funções exercidas.
II -  A categoria profissional é, normalmente, entendida e apreciada, numa dupla vertente: por um lado, corresponde ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho ou pelas alterações dele decorrentes – denominada categoria-‑função ou contratual –; por outro, corresponde àquele que define a posição do trabalhador na empresa, cujas tarefas típicas se encontram descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva – denominada categoria-estatuto ou normativa.
III - A categoria profissional obedece aos princípios da efectividade (no domínio da categoria-‑função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (no domínio da categoria-estatuto, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode ser dela retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
IV - No âmbito do Código do Trabalho de 2003, salvo cláusula convencional expressa, o subsídio de Natal é constituído pela retribuição base e diuturnidades, não relevando para o cômputo do mesmo os “complementos remuneratórios” auferidos pelo trabalhador em função das circunstâncias específicas do trabalho prestado.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
15.02.2012
Ocupação efectiva
Danos não patrimoniais
Indemnização

1.  No domínio do regime jurídico anterior ao Código do Trabalho, embora faltasse disposição expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, várias normas da ordem jurídica portuguesa permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada.
2.  Decorrendo o esvaziamento das funções da trabalhadora das diligências encetadas pela empregadora no sentido da extinção do respectivo posto de trabalho e tendo o procedimento atinente sido apreciado judicialmente em acção própria, no âmbito da qual foi decidida a sua licitude, é de concluir que a autora não logrou provar, como lhe competia, a alegada violação do dever da sua ocupação efectiva.
3.  Não estando demonstrada a violação do dever de ocupação efectiva da autora, fica prejudicada a apreciação da responsabilidade da ré na reparação dos danos de natureza não patrimonial que a autora pretendia ver ressarcidos, porquanto, falta, desde logo, a afirmação do comportamento ilícito da ré fundamentador daquela obrigação e no qual a autora alicerçou o seu pedido.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
15.02.2012

Pedido de indemnização civil
Responsabilidade civil emergente de crime
Violação
Consultório médico
Indemnização
Danos não patrimoniais
Equidade

I- O arguido foi condenado na 1ª instância como autor material de um crime de violação p. p. no art.º 164.º n.º 1 do C. Penal, e ainda a pagar à assistente/demandante a quantia de € 30 000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
II - O Tribunal da Relação do Porto, porém, modificou parcialmente os factos provados e concluiu que os atos praticados pelo arguido não se enquadravam nos conceitos de violência, ameaça grave, inconsciência ou impossibilidade da vítima em resistir para a constranger à prática do coito oral e da cópula, pelo que o absolveu do crime e também do pedido cível, por não haver qualquer ilícito civil.
III - Dado o desenvolvimento processual descrito no relatório, o STJ não pode exercer qualquer crítica quanto à absolvição penal, entretanto já transitada em julgado, mas deve apreciar se ficou ou não provado um ilícito gerador de responsabilidade civil, pois é neste sentido que se dirige o único recurso ainda subsistente.
IV - Efetivamente, a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado (cf. art.º 377.º, n.º 1, do CPP), pois que determinado ato pode não ser punível criminalmente, por não estarem reunidos os factos típicos ou os elementos subjetivos do crime, mas ainda assim pode constituir um ilícito de outra natureza, gerador de responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1, do CC).
V - Ora, no caso em análise, certo é que em momento algum a vítima deu o seu consentimento aos atos sexuais, nem de modo expresso nem de forma implícita. Todos os gestos e atitudes da vítima só poderiam ter conduzido o demandado a concluir que a mesma não queria ter relações sexuais consigo, pois tudo o que esta fez foi tentar afastar-se ostensivamente dele e retirar-se do local e toda a atuação do demandado foi no sentido de contrariar essa vontade da vítima, para usá-la como objeto de prazer próprio.
VI - Ora, se a ocasião em que o demandado e a demandante se encontravam fosse meramente social, a de um homem que está sozinho com uma mulher em determinado lugar, sem nenhum vínculo profissional a os ligar, ainda se poderia discutir se a prática pelo homem de relações sexuais de coito oral e de cópula com essa mulher, sem o consentimento expresso ou implícito desta, seria ou não um ato violador do direito à personalidade, protegido pelo art.º 70.º, n.º 1 do CC («A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral»). Embora se adiante que a resposta teria de ser afirmativa, pois a todos deve ser garantida a liberdade de disporem do seu corpo sem a intrusão, não consentida e portanto abusiva, de terceiros.
VII - Todavia, no caso em apreço, o demandante estava no seu consultório de médico, no exercício da sua profissão e a demandada era uma doente que tinha recorrido aos seus serviços, para obter a cura de uma doença de que padecia.
VIII - Ora, nos termos do art.º 39º do Código Deontológico dos Médicos, que entrou em vigor em 26 de outubro de 2008, estabelece-se que o médico deve sempre respeitar a pessoa do doente e que a situação de vulnerabilidade que caracteriza a pessoa doente, bem como a dependência física e emocional que se pode estabelecer entre esta e o seu médico, torna o assédio sexual uma falta particularmente grave quando praticada pelo médico.
IX - “Assédio sexual é um tipo de coerção de caráter sexual praticada geralmente por uma pessoa em posição hierárquica superior em relação a um subordinado (mas nem sempre o assédio é empregador - empregado, o contrário também pode acontecer), normalmente em local de trabalho ou ambiente académico. O assédio sexual caracteriza-se por alguma ameaça, insinuação de ameaça ou hostilidade contra o subordinado”.
X - É evidente que os factos provados constituem um ostensivo assédio sexual de um médico à doente, isto é, à pessoa que então se lhe tinha dirigido para se socorrer dos seus serviços profissionais, já que na relação “médico - paciente” se estabelece uma hierarquia de valores, na qual este último reconhece naquele outro uma supremacia de conhecimentos científicos em medicina que podem ajudar a resolver uma situação de saúde física ou mental.
XI - No caso em apreço, a coerção nem foi apenas verbal, pois o médico passou de imediato aos atos sexuais, sem obter prévio acordo da visada. Trata-se de um ato que, segundo o Código Deontológico, constitui uma falta particularmente grave dos deveres do médico, ora demandado. Ainda que houvesse “consentimento” da vítima, o que nem foi o caso.
XII - Tal falta deontológica tem de ser imputada ao demandado a título doloso. A doente que se entregara aos seus serviços clínicos era ostensivamente frágil, física e psicologicamente, já que sofria de doença depressiva e estava quase em final de tempo de gestação, pois então se encontrava na 34ª semana de gravidez. Mesmo assim, conseguiu manifestar pelos gestos e pela atitude que não desejava o contacto sexual imposto pelo médico, o que este bem percebeu, pois segurou a cabeça da doente para lhe introduzir o pénis na boca, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis ereto na vagina até ejacular.
XIII - Constitui-se o demandado, assim, no dever de indemnizar a demandante pelos prejuízos não patrimoniais que o seu ato ilícito provocou, nos termos dos art.ºs 39.º, n.º 3, do Código Deontológico dos Médicos, 483.º e 487.º do CC.
XIV - O montante da indemnização por danos não patrimoniais «será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º» (art.º 496.º, n.º 3 do CC)
XV - A demandante calculou o valor do seu prejuízo não patrimonial em € 100 000,00, mas a 1ª instância, baseada em critérios de equidade, fixou esse montante em € 30 000,00.
XVI - «O montante da indemnização por danos não patrimoniais, de harmonia com o preceituado no art. 496.º, n.º 1, do CC, deve ser fixado equitativamente, isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 6.ª ao art. 496.º).
XVII - Em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”».
XVIII - Ora, aquele montante fixado na 1ª instância é manifestamente insuficiente e afronta a justa medida das coisas. Na verdade, o avanço sexual de um médico psiquiatra (e também psicanalista), no seu consultório, sobre a paciente que está a ser por ele observada, seguido de coito oral e cópula, sem o consentimento da mesma, estando ela com doença depressiva e gravidez quase de termo, é um ato de enorme gravidade, que não pode deixar de provocar um fortíssimo trauma na vítima, dificilmente esquecível.
XIX - Ora, os critérios de equidade e a circunstância da lei mandar atender à “culpa do lesante”, têm conduzido a jurisprudência a atribuir à indemnização por danos não patrimoniais também um caráter sancionatório.
XX - Para dar cabal resposta aos concretos juízos de equidade que o caso convoca – gravidade da ilicitude, dolo intenso, particular fragilidade da vítima, danos não patrimoniais que irão perdurar, caráter sancionatório da indemnização, boa situação económica e social do agente e efetiva possibilidade compensatória para a vítima – só o total do montante da indemnização pedida (cem mil euros) se mostra ajustado.

Caso Rui Pedro

A Associação Sindical de Juízes, por razões de interesse público e de transparência, decidiu publicar o acórdão relativo ao rapto do Rui Pedro, proferido pelo Tribunal de Lousada, a 22 de Fevereiro de 2012.
http://www.asjp.pt/wp-content/uploads/2012/02/ac%C3%B3rd%C3%A3o-rui-pedro.pdf

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 25.01.2012

Justa Causa da Despedimento
Deveres do Trabalhador
Dever de Zelo e Diligência

1. Uma trabalhadora, admitida para desempenhar as funções de porteira, que não assegurou a limpeza das partes comuns do prédio, desde Julho de 2002, do que resultou a acumulação de lixo naqueles locais, e não procedeu, desde 20 de Abril de 2003, ao despejo e limpeza do recipiente geral do lixo, o que determinou a acumulação de lixo nesse recipiente, violou, grave e culposamente, os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho e das normas que o regem.
2. Provando-se que a acumulação de lixos, quer nas partes comuns do prédio, quer no respectivo recipiente geral de lixo, constituía foco de insalubridade no local, pondo por essa via em risco a higiene e a segurança do próprio prédio, e que a trabalhadora residia no prédio e constatava as consequências do não cumprimento daquelas tarefas, a sua conduta não pode deixar de considerar-se particularmente grave e censurável, já que lhe estava adstrito o especial dever de providenciar pela ordem e asseio do imóvel em causa.
3. Neste contexto, a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, tornou imediata e praticamente impossível a sua manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento.”

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2012

Insolvência
Exoneração do Passivo Restante
Prejuízo
Credor
Juros de Mora



“I) - A exoneração do passivo restante, inovadoramente introduzida no direito insolvencial português pelo CIRE, regulada nos arts. 235º a 248º daquele diploma, apenas é conferida a insolventes que sejam pessoas singulares.
II) Como resulta do Preâmbulo do diploma legal – “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante”.
III) Resulta do art. 1º do CIRE  que o processo de insolvência é um processo de “execução universal” que visa acautelar os interesses dos credores, da economia e não despreza, a título excepcional, os interesses do insolvente pessoa singular.
IV) Na lógica de que  a exoneração é “uma segunda oportunidade” (fresh start), só deve ser concedida a quem a merecer; a lei exige uma actuação anterior pautada por boa conduta do insolvente, visando evitar que o prejuízo, que já resulta da insolvência, não seja incrementado por actuação culposa do devedor que, sabendo-se insolvente, permanece impassível, avolumando as suas dívidas em prejuízo dos seus credores e, não obstante, pretende exonerar-se do passivo residual requerendo a exoneração.
V) - Essa exigência ética, assente numa actuação de transparência e consideração pelos interesses dos credores, está claramente prevista na al. b) do art. 238º do CIRE, cujo objectivo é obstar que a medida excepcional da exoneração do passivo não beneficie o infractor.
VI) - São fundamentos autónomos de indeferimento liminar, a apresentação do pedido fora de prazo – al. a) do mencionado normativo – e que a não apresentação atempada cause prejuízo para os credores – al. d).
VII) – Os requisitos tempestividade e prejuízo para os credores são autónomos, já que a apresentação do insolvente pode não causar prejuízos sensíveis aos credores, como está implícito na al. d), mal se compreendendo que prejuízos insignificantes fossem motivo suficiente para a recusa liminar do pedido, por esse prejuízo ser de presumir em virtude da pretensão do insolvente ser requerida fora do prazo legal.
VIII) - A ratio legis do instituto da exoneração  é  evitar o colapso financeiro do insolvente pessoa singular, implicitando uma moderada transigência com a apresentação intempestiva, ligando-a, apenas reflexamente, ao facto dessa omissão poder ser causadora de prejuízo para os credores.
IX) O conceito de prejuízo, deve ser interpretado como patente agravamento da situação dos credores que assim ficariam mais onerados pela atitude culposa do insolvente.
X) A apresentação tardia do insolvente/requerente da exoneração do passivo restante, não constitui, por si só, presunção de prejuízo para os credores – nos termos do art. 238º, nº1, d) do CIRE – pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora – competindo aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus de prova desse efectivo prejuízo, que se não presume.”
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 19.01.2012

Direito de Regresso
Condução Sob o Efeito do Álcool
Nexo de Causalidade


“Para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool, exige-se a alegação e prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre o estado de etilizado e o acidente de que resultaram os danos do terceiro por ela indemnizados, segundo a melhor interpretação do art.º 27.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 291/2007, de 21/8.”
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.01.2012

Insolvência
Rendimento Disponível

“A quantia de 800€ mensais é suficiente para assegurar o sustento minimamente digno a que se reporta o art.º 239.º, n.º 3, al. b) (i) do CIRE de um casal de insolventes, não devendo ficar isento da entrega de qualquer quantia ao fiduciário, ainda que tenha que recorrer ao arrendamento de um apartamento de renda inferior à que pagam pelo actual.”
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 17.01.2012

Insolvência
Resolução em Benefício da Massa Insolvente


“I - Nos casos de resolução “condicional” o Administrador da Insolvência, na respectiva declaração de resolução, tem que alegar factos dos quais resulte a prejudicialidade dos actos por ele visados e também a má fé do adquirente, situação que já não se verifica nas situações previstas no art. 121º do CIRE.
II - Porém, mesmo nestes casos ditos de resolução incondicional, em que se mostra dispensado o requisito da má fé e há uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência tem que, na declaração resolutiva, alegar factos materiais que permitam fundar a resolução em qualquer uma das alíneas do nº 1 do art. 121º do CIRE.
III - Não o fazendo, está a declaração de resolução ferida de nulidade.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.01.2012

Conta bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Conta solidária
Quantia depositada
Propriedade


“I. O contrato de depósito bancário consiste, fundamentalmente, na entrega de certa quantia a um banco para que ele o guarde e restitua mais tarde, podendo entretanto o banco utilizar o montante entregue.
II. O depósito bancário pressupõe que seja aberta uma conta junto do banco ou que ela já exista; a abertura de conta é o contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias.
III. Na modalidade de conta colectiva, a conta bancária pode ser solidária, caso em que qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta. O banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um dos titulares.
IV. A solidariedade presente na conta bancária “solidária” diz respeito, apenas, às relações entre o cliente e o banqueiro; no tocante à titularidade do saldo, que rege as relações entre os titulares da conta, há que indagar, sendo ilidível a presunção de igualdade do art.º 516.º CC.
V. Nas relações externas entre os seus titulares e o banco, a natureza solidária da conta releva apenas quanto à legitimidade da sua movimentação e débito. Essas regras de movimentação, fixadas relativamente a determinada conta, nada têm a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas. Esta é uma questão que apenas respeita às relações internas estabelecidas entre os titulares da conta.
VI. Havendo um diferendo entre a titular de uma conta solidária e a herdeira do outro titular dessa mesma conta, a propósito da propriedade das quantias depositadas, a questão respeita exclusivamente às relações internas entre aquelas, sendo exterior à relação contratual entre o banco e as mesmas.
VII. Não compete ao banco substituir-se à vontade das partes ou às vias judiciais, invocando a presunção legal do art.º 516.º, ex vi art.º 350.º, ambos do CC., para definir a propriedade das quantias depositadas, atribuindo metade à herdeira legal e disponibilizando-lhe o correspondente valor.”

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012

Despedimento com justa causa
Dever de obediência

“1. No elenco gradativo das sanções disciplinares – art. 366.º do Código do Trabalho de 2003 – o despedimento, sem qualquer indemnização ou compensação, surge como a ‘ultima ratio’, solução reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.
2. A noção de justa causa de despedimento, com os contornos delineados no art. 396.º/1 do Código do Trabalho/2003, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação juslaboral, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo contratual, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da manutenção do contrato.
3. Viola, grave e culposamente, o dever de obediência o trabalhador que, perante uma legítima ordem de serviço, se recusa a cumpri-la, afirmando que só o faria se a mesma lhe fosse dada por escrito e fundamentadamente, mesmo depois de, num segundo momento, ter sido chamado ao gabinete da direcção da R., onde lhe foi explicada a necessidade de tal ordem.
4. É lícito, enquanto sanção proporcional à gravidade do descrito comportamento, o despedimento com justa causa, cominado em conformidade.”

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 25.01.2012

Processo disciplinar
Despedimento
Indemnização
Danos não patrimoniais


“I. Em direito laboral, para se reconhecer direito ao trabalhador a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá aquele de provar que houve violação culposa dos seus direitos por parte do empregador, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
II. No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc..
III. Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
IV. Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não têm especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por aqueles danos.
V. O facto de no caso se ter provado que o processo disciplinar provocou sofrimento e angústia ao trabalhador e agravou o seu estado de saúde, não oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por não se terem provado elementos concretos para aferir do relevo do sofrimento, da angústia e do agravamento da doença.”